domingo, 3 de agosto de 2008

"Dai-lhes vós mesmos de comer."

Homilia

Jesus acaba de saber da execução de João Batista. Esta morte dramática o transtorna: João era seu primo; eles eram ligados por profundos laços de afeição. A mais, Nosso Senhor pressente que esta morte Lhe anuncia a sua própria. Ele procura a solidão, o silêncio. Jesus é o Filho único de Deus, mas Ele também é plenamente homem, partilhando nossas interrogações diante do grande mistério da morte - sobretudo quando ela surge como o triunfo insolente do mal. Não é justo que Nosso Senhor queira se abstrair por alguns instantes do seu ministério sobrecarregado para ficar um pouco só?

Entretanto, tudo se passa como se Deus, seu Pai, não lho permitisse esse tempo: as multidões adivinharam a intenção do Rabbi, e lhe precederam no lugar que Ele havia escolhido para se retirar "à parte". Esquecendo-se de Si mesmo, Jesus apenas vê a miséria desses homens e mulheres que afluem de todas as partes em sua direção: "cheio de misericórdia para com a multidão, curou os seus enfermos." Mateus não o diz explicitamente, mas não deixa dúvidas de que Nosso Senhor "se pôs a ensiná-los longamente" (Mc 6, 34).

Como o dia cai, os discípulos reagem com bom senso e exortam seu Mestre a dispensar a multidão. Mas Jesus não pensa desta maneira; cruzando seu olhar com todos aqueles que O olhavam, Ele se recorda do Salmo 144 (vs.15-16): "Todos os olhos esperançosos se dirigem para vós, e a seu tempo vós os alimentais. Basta abrirdes as mãos, para saciardes com benevolência todos os viventes." Ainda renunciando ao seu desejo legítimo de solidão, Jesus, num gesto antecipado da instituição da Eucaristia, oferece o pão do céu a esta numerosa multidão que erra no deserto, premissa do novo povo de Deus marchando ao lado do novo Moisés. O Verbo se dá em alimento na Palavra e no Pão: "Se me escutardes, havereis de comer do melhor, e saborear pratos deliciosos. Prestai-me atenção e vinde a mim. Escutai-me e vivereis." (1ª Leit.).

Espantoso contraste entre o banquete celebrado no luxuoso palácio de Herodes, que custou a vida de João Batista, e a simplicidade desta refeição feita no deserto, num fim de tarde de primavera pouco antes da Páscoa, e que dá vida à multidão. A resposta que Jesus procurava para as perguntas que se acumulavam dentro de Si após a morte de seu amigo e primo, Lhe era dada na obediência aos acontecimentos: é indo sempre mais longe no caminho do dom desinteressado de Si que Ele será vencedor da morte, pois o amor não pode morrer; n'Ele, a vida triunfa sempre.

Nosso Senhor terá a coragem de ir até o fim deste caminho aparentemente sem saída e de entregar sua vida por amor a nós, a fim de que todas as gerações possam partilhar a certeza de São Paulo: "Nem a morte, nem a vida (...) nada poderá nos separar do amor de Deus que está em Jesus Cristo, Nosso Senhor" (2ª Leit.). Tal é a nossa confiança e a nossa esperança: a Cruz é a Árvore da vida divina cuja seiva é o Puro Amor, da qual o fruto eucarístico nos dá participar da vida filial de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Então, se "o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por uma multidão" (Mt 20, 28), nós também devemos agir como Ele.

"Dai-lhes vós mesmos de comer"
: Jesus convida seus discípulos a segui-Lo no caminho desconcertante do "excesso" de amor. A caridade se esquece de si mesma; ela não se "encosta" nos outros para servir: ela agüenta firme as conseqüências, mesmo quando a tarefa parece impossível, na certeza de que Deus fará a sua parte. O único poder que Jesus transmite à sua Igreja é o de se entregar ao seu lado para que o mundo tenha a Vida. "Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando" (Jo 15, 12-14).


Não temos nada mais a oferecer além de "cinco pães e dois peixinhos": o dom irrisório de nossa pobre humanidade marcada pelo pecado; mas, se na fé, nos a "entregamos a Jesus" para que Ele disponha dela segundo sua vontade, Ele fara dessa humanidade um pão rompido para a vida do mundo. É seguindo o nosso Mestre neste caminho do dom total de si que nós nos juntaremos a Ele lá, onde Ele nos precede: no Reino do Pai; mas teremos que passar pelo mesmo pórtico: o da Cruz. São Paulo nos escreve: "Estando embora vivos, somos a toda hora entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus apareça em nossa carne mortal" (II Co 4, 11). Tal é a misteriosa troca que devemos nos permitir viver, pois o verdadeiro amor só se purifica no cadinho do sofrimento livremente consentido.

Por que, então, nós vamos nos saciar à Mesa do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor, senão para poder viver nossa Páscoa de amor no coração da nossa existência quotidiana? Se nós cremos que em todas as coisas "nós somos mais que vencedores graças Àquele que nos amou" (1ª Leit.), então não afastemos mais nosso próximo que nos solicita, mas tenhamos autoridade, em Nome de Jesus Cristo, sobre os nossos egoísmos e medos, e coloquemo-nos generosamente a serviço daqueles que têm fome: "Eles não precisam partir. Dai-lhes vós mesmos de comer".

"'É chegada a hora de todos reconhecerem o cristianismo como a religião do amor': Senhor, conceda-nos não fazermos mentir esta palavra de João Paulo II, que ressoa como um testamento confiado, em Teu Nome, à Igreja do terceiro milênio. Pois 'só o amor é digno de fé' (Santo Agostinho); sob a condição de que este seja um amor verdadeiro, um amor forte, um amor grande, que se dá sem medidas; um amor que busca a sua generosidade no Espírito de caridade que Tu espalhas em abundância, Pai, sobre todos os que invocam, com fé, o Nome do Teu Filho bem-amado, Jésus Cristo Nosso Senhor.”

Padre Joseph-Marie, Famille de Jaint-Joseph, França


Tradução:

Gisele Pimentel

gisele.pimentel@gmail.com


Fonte:

http://www.homelies.fr/

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