segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"Não temas; doravante serás pescador de homens." (Lc 5, 10b)

Is 6, 1-2a.3-8
Revelação do Deus santo e a vocação de Isaías.
Sl 137 (138), 
1-2a, 2bc-3, 4-5, 7c
Santo é o Senhor nosso Deus !
I Co 15, 1-11
A tradição da fé no Cristo morto e ressuscitado.
Lc 5, 1-11
A pesca milagrosa : vocação de Pedro e seus companheiros.

Homilia – 5º Domingo do Tempo Comum
As leituras deste 5º Domingo do Tempo Comum, que nos convidam à meditação de um trecho do profeta Isaías (6, 1-2), de uma passagem da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (15, 1-11) e da narrativa da pesca milagrosa, poderiam ser intituladas: “Os três tempos da vocação”. Em cada uma destas leituras, faz-se presente um “herói” bíblico: o profeta Isaías, Paulo e Pedro – três homens de temperamento forte, “de fibra”. O paralelo traçado entre seus respectivos itinerários de encontro com o Deus vivo nos permitirá identificar alguns princípios da pedagogia divina, aplicáveis a cada um de nós.
Todos três descobrirão, por ocasião de uma iniciativa desconcertante deste Deus que eles acreditavam conhecer, que Ele é, antes de mais nada, o Kadosch, o Santo, ou de uma forma literal, o Outro. Da mesma forma, tudo o que Ele toca vai necessariamente tornar-se, por sua vez, “outro”. A radical Alteridade, que Se impõe em Sua diferença, é como um fogo devorador, que revela aos que Ela Se manifesta, suas verdadeiras personalidades. Eles, por sua vez, serão enviados a proclamar a necessidade da conversão, ou seja, tornar-se “outro(a)”:
1 - Tocado pelo Espírito Santo, Isaías é conduzido à presença do Deus de Israel e assiste à Liturgia celeste: “Os serafins se mantinham junto dele. Cada um deles tinha seis asas; com um par (de asas) velavam a face; com outro cobriam os pés; e, com o terceiro, voavam. Suas vozes se revezavam e diziam: ‘Santo, santo, santo é o Senhor Deus do universo! A terra inteira proclama a sua glória!’ ” (Is 6, 2-3). Impressionado com a beleza transcendente do Altíssimo, nesse momento ele se dá conta da distância que o separa “Daquele que É”: “Ai de mim, gritava eu. Estou perdido porque sou um homem de lábios impuros, e habito com um povo (também) de lábios impuros e, entretanto, meus olhos viram o rei, o Senhor dos exércitos!” (Is 6, 5). Esta tomada de consciência da distância que nos separa de Deus é, sem dúvida alguma, a primeira etapa, incontornável, que precede o encontro transformador.
2 - Como Paulo mesmo nos explica, o então Saulo adquiriu seu conhecimento sobre Deus junto a um Mestre em Israel: “Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade, instruí-me aos pés de Gamaliel, em toda a observância da lei de nossos pais, partidário entusiasta da causa de Deus...” (At 22, 3). Entusiasta cujo zelo, a bem dizer, era pouco esclarecido, uma vez que ele exigia a erradicação da “seita” cristã que se opunha à doutrina tradicional: “Eu persegui de morte essa doutrina, prendendo e metendo em cárceres homens e mulheres” (At 22, 4). Confrontado pela Luz verdadeira no caminho para Damasco – a Luz do Verbo – Saulo toma consciência da sua cegueira e, humildemente, se deixa ensinar pelas mesmas pessoas que ele perseguia. Relembrando este encontro com o Ressuscitado que transformou a sua vida, São Paulo nos diz: “E, por último de todos, apareceu também a mim, como a um abortivo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, e não sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus” (I Cor 15, 8-9).
3 - Pedro – ou antes, Simão – é um pescador às margens do Lago da Galiléia; distingue-se um mestre pescador pela sua autoridade em relação aos seus colegas – o que não o impede de, às vezes, voltar para casa de mãos vazias. Podemos facilmente imaginar a surpresa de Simão quando, naquela manhã, após ter ensinado às multidões, Jesus lhe faz o convite: “Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes para pescar” (Lc 5, 4b). Simão necessita de uma boa dose de humildade para responder diante de seus companheiros: “(...) por causa de tua palavra, lançarei a rede” (Lc 5, 5b). Conhecemos a continuação: diante da “grande quantidade de peixes” que apanharam em suas redes, Simão Pedro cai aos pés de Jesus, confessando: “Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!” (Lc 5, 8b). O evangelista nos diz ainda: “É que tanto ele como seus companheiros estavam assombrados por causa da pesca que haviam feito” (Lc 5, 9).
É somente na presença de Deus que Isaías, Paulo, Simão – e de uma forma geral, toda a humanidade – descobrem realmente sua nulidade, sua miséria, seu pecado, quando Ele lhes revela a Sua santidade, de uma forma apropriada à realidade de cada um.
Mas o Senhor não nos abandona em nossa desordem: no centro deste encontro perturbador, que forçosamente nos é desfavorável, Ele mesmo vem em nosso socorro: “Porém, um dos serafins voou em minha direção; trazia na mão uma brasa viva, que tinha tomado do altar com uma tenaz. Aplicou-a na minha boca e disse: Tendo esta brasa tocado teus lábios, teu pecado foi tirado, e tua falta, apagada” (Is 6, 6-7).
Pedro também ouviu : “Não temas”  (Lc 5, 10c); e Paulo, escrevendo a Timóteo, deixa por sua vez irradiar todo o seu agradecimento, revelando a pedagogia divina que opera nessas intervenções: “Se encontrei misericórdia, foi para que em mim primeiro Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os que, a seguir, nele crerem, para a vida eterna” (I Tm 1, 16).
Manifestando-Se na sua irredutível Alteridade, o Senhor nos revela a nossa realidade de criatura alienada pelo pecado, mas também infinitamente amada por um “Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera, rico em bondade e em fidelidade” (Ex 34,6); um Deus que crê no Homem, espera nele e o ama com amor eterno; um Deus que o guarda na sua benevolência, apesar de suas transgressões e pecados, e não hesita, depois de lhe conceder Sua misericórdia, em enviá-lo para anunciar sua proximidade benévola: “Ouvi então a voz do Senhor que dizia: Quem enviarei eu? E quem irá por nós?” Já experiente, Isaías pode agora responder:  “Eis-me aqui, (...) enviai-me” (Is 6, 8)
A descoberta da santidade de Deus e de Sua glória universal não pode se limitar a uma contemplação ou aos discursos: ela se torna vocação; não se pode ver a glória de Deus sem resplandecê-la.
Ao tranqüilizar Pedro, o Senhor Jesus diz: “Doravante serás pescador de homens” – subentende-se: Pedro “pescará” homens submersos nas águas profundas da morte, sendo o mar tradicionalmente considerado como o esconderijo de satan e das forças opostas a Deus. Porque Simão tornou-se “outro” – a ponto de receber um novo nome, Pedro – ele poderá ser a testemunha desta “outra” vida à qual ele acaba de ser iniciado, a vida de discípulo de Cristo, de filho de Deus não mais de escravo do pecado.
Paulo também nunca mais seria o mesmo; e é precisamente porque ele se tornou “outro” pelo contato com o “Outro” que ele ouvirá o anúncio através de Ananias: “O Deus de nossos pais te predestinou para que conhecesses a sua vontade, visses o Justo e ouvisses a palavra da sua boca, pois lhe serás, diante de todos os homens, testemunha das coisas que tens visto e ouvido” (At 22, 14-15).
Aniquilados por Deus, é como homens novos que eles se erguem. Simão tornou-se Pedro, Saulo foi transformado em Paulo; agora, eles podem colocar-se a serviço do Senhor, apoiando-se não mais sobre aquilo que eles criam saber sobre Deus, mas sobre o que Deus lhes deu a conhecer. Por toda a vida e também por suas mortes, eles vão “dar graças ao Seu Nome pelo Seu amor e a Sua verdade”, esperando poder “cantá-Lo eternamente na presença dos Seus Anjos” (Cf. Sl 137).
Estaríamos, então, em desvantagem em relação a esses homens privilegiados que puderam colocar-se na presença de Deus e expor-se à Sua ação transformadora? Isso significaria esquecermos que, em breve, comungaremos novamente o Corpo e o Sangue de Cristo Jesus, realmente presente (segundo a nossa fé) nas Espécies eucarísticas. A Eucaristia é muito mais abrasadora que “a brasa viva que o Querubim tinha tomado do altar com uma tenaz” (Cf. Is 6, 6); não somente a Eucaristia é capaz de purificar do pecado nossos lábios e todo o nosso ser, como também Ela nos une substancialmente a Cristo ressuscitado, transformando-nos Nele. Resumindo, Ela nos torna “outros” à imagem e semelhança do próprio Deus, por menos que estejamos abertos, disponíveis ao dom que Ele nos faz de Si mesmo.
Eis por que, após uma celebração eucarística, não podemos voltar para nossas casas como se voltássemos de um encontro religioso qualquer: pela nossa comunhão eucarística, somos realmente transformados em “cristos”, e por isso participamos da Sua missão. Como Isaías, Simão Pedro e Paulo, tornamo-nos participantes da Igreja Esposa por quem o Cristo Esposo quer continuar em Sua obra. Cabe-nos, agora, lançar as redes da Palavra no coração deste mundo, para conduzirmos à outra “margem”, a da vida verdadeira, os homens e mulheres ainda prisioneiros das trevas da mentira e do pecado, que conduzem à morte.

Senhor, Tu adaptas a Tua manifestação a cada uma de nossas histórias de vida; dai-nos descobrir Tua irredutível alteridade em meio à nossa vida quotidiana, alteridade que nos permite alcançar a nova vida no Teu Espírito. Então, poderemos, com Maria, Isaías, Pedro e Paulo e todos os Teus santos, dizer-Te: “Eis-me aqui, envia-me”, colocando-nos verdadeiramente a Teu serviço, “para a maior glória de Deus e a salvação do mundo”.

Padre Joseph-Marie, Família de São José, França

Fontes:
http://www.homelies.fr/messe,5e.dimanche.du.temps.ordinaire,3166.html 
http://www.homelies.fr/homelie,,2685.html
http://www.tripalbum.net/photos/349/filet.jpg
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqfIas5OhLvDS6BoBFLY7lGJwf5BKXO_oefYuAHJeO5YeQ40vFZcU1EjNYE4yUZzLUIdbIXO2awuo8_jMh1dABkjQa3dhs0tN4c6rM1kT8BI4q9MT_zysABcBNDrfGY5-kzih7Lj5uMGA/s400/Isaiah2.jpg

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