12 jan 2010 – Repórter: Taty Codu
"Estava eu caminhando por uma rua contígua às antigas muralhas medievais de Tallinn, norte da Estônia, quando me chamou a atenção uma tabuleta ali afixada. Continha ela uma cruz, uma pequena abertura para o correio e uma inscrição em quatro línguas, que dizia: 'Igreja da Bem-aventurada Virgem das Três Mãos. Ela é a protetora do inocente que foi condenado injustamente, e contra o qual um pecado foi cometido. Você pode relatar seu problema e colocar a carta nesta abertura. Um sacerdote vai rezar para que seu problema seja solucionado.' Minha surpresa foi dupla: Em primeiro lugar, mencionava uma igreja que eu nem conseguia ver; a outra, uma devoção surpreendente, desconhecida por mim.
Quanto à igreja, fiquei sabendo depois que o local onde se encontrava a tabuleta era a parede lateral duma igreja católica dos ucranianos de rito bizantino. Essa igreja foi supressa por Stalin, e os fiéis perseguidos injustamente, com milhares de martírios. Os que não morreram aprenderam a sobreviver nas catacumbas, e só puderam sair à luz do dia após a derrubada da União Soviética. Possuíam lá aquela igreja, que externamente ninguém percebia. O templo religioso é decorado com numerosas pinturas, uma das quais dedicada justamente à Virgem das Três Mãos, padroeira dos acusados e condenados injustamente. E por que era Ela a padroeira dos injustiçados?
A recuperação da mão decepada
Para entender a história, é necessário ir bem longe dessa igrejinha da capital da Estônia. Ela começa em Damasco, capital da Síria, no século VIII. Lá vivia São João Damasceno (o nome lhe foi atribuído exatamente por ser de Damasco). Nesse tempo, todo o leste da Europa e o Oriente Médio estavam sob a influência do Império Bizantino, ainda católico. O imperador Leão III professava idéias erradas sobre o culto das imagens — nisso ele se assemelhava a certos protestantes modernos — e insistia em destruir todas elas. Imaginava obedecer assim o mandato bíblico de não fazer imagens.
Mas o que a Bíblia proíbe é fazer imagens para as adorar. O próprio Deus ordena em várias partes da Sagrada Escritura, pelo contrário, que se façam imagens. Normalmente, nessas regiões elas não eram estátuas, mas ícones, ou seja, pinturas. E o imperador editou um decreto ordenando a destruição de todos os ícones.
Ora, São João Damasceno, que era conselheiro católico do califa muçulmano de Damasco, escreveu uma série de três tratados apologéticos contra os adversários das sagradas imagens. Neles reduzia a pó os falsos argumentos apresentados pelo imperador, que ordenava a destruição das imagens. O soberano ficou furiosíssimo ao saber que alguém se opusera à sua autoridade. Damasco ficava fora do império, não podendo ele, portanto, mandar prender São João Damasceno. Decidiu então vingar-se.
Como o erro é irmão da mentira, o imperador recorreu a uma falsificação: pagou a um falsificador para imitar a letra do santo numa carta a ele dirigida. Essa falsa missiva mencionava os pontos fracos da defesa das muralhas de Damasco, acrescentando estar oferecendo essa informação ao imperador para ajudá-lo a capturar a cidade. Depois disso, o soberano bizantino conseguiu um modo de fazer a carta chegar às mãos do califa de Damasco.
Indignado ao tomar conhecimento do conteúdo da missiva, o califa recusou-se a crer na inocência de São João Damasceno. Não só demitiu-o do conselho, mas ainda ordenou que fosse decepada a mão que tinha escrito a carta, e que essa mão fosse ostentada num local bem visível da cidade, para que todos tomassem conhecimento do que ocorria com os traidores, mesmo que fossem íntimos do califa. Alguns dias depois, ordenou que devolvessem a mão para São João, a fim de que ele se lembrasse sempre da traição que cometera.
São João Damasceno pediu insistentemente à Santíssima Virgem que lhe devolvesse o uso de sua mão, pois sabia ser sua vocação escrever vigorosamente em defesa da Igreja católica. Adormeceu, e ao acordar ouviu uma voz feminina que lhe dizia: “Estás curado, podes voltar a utilizar tua mão!”. Percebeu então que Nossa Senhora o tinha sanado, e novamente podia usar as duas mãos.
Origem das “três mãos”
“Igreja da Bem-aventurada Virgem das Três Mãos. Ela é a protetora do inocente que foi condenado injustamente, e contra o qual um pecado foi cometido. Você pode relatar seu problema e colocar a carta nesta abertura. Um sacerdote vai rezar para que seu problema seja solucionado”.
Como bem se pode supor, a notícia correu pela cidade. Quando tomou dela conhecimento, o califa ordenou que levassem São João à sua presença. Ao verificar que de fato voltara-lhe a mão, entendeu que fora enganado, e ofereceu ao santo retornar ao seu antigo posto de conselheiro. Mas São João tinha outros planos muito mais altos, e decidiu tornar-se monge no mosteiro de São Sabas, perto de Jerusalém. Antes de partir, vendeu todos os seus bens, e com eles comprou prata, com a qual mandou esculpir a mão em posição de súplica e agradecimento. Colocou-a na parte inferior de um ícone da Santa Virgem, que ele venerava, o qual passou desde então a ser conhecido como Virgem das Três Mãos.
Conhecendo a história da imagem, bem como das perseguições sofridas pelos católicos ucranianos, é fácil entender o motivo de sua igreja ter como padroeira a Virgem Santíssima com essa invocação. Ela simboliza perfeitamente não só a injustiça e a violência sofridas, mas também o triunfo inesperado e glorioso. É especialmente tocante o fato de aqueles católicos, tão injustamente perseguidos, desejarem rezar por todos os que se encontram na mesma situação. Pois hoje em dia, quando estadeiam impunemente tantos vícios na sociedade, não é de admirar que se acumulem as injustiças.
Não estou me referindo aos exageros apregoados como injustiças por demagogos da esquerda, mas sim aos abusos e violências sofridos por pessoas inocentes dos crimes a elas atribuídos. Pior ainda, muitas vezes os crimes de que são acusadas constituem na verdade atos heróicos. Por exemplo, pessoas acusadas de obstrução da justiça, quando sua intenção é evitar um aborto, ou seja, um assassinato. Ou então, pais de família que desejam evitar a perversão de seus filhos, e são caluniados e acusados como tiranos.
Muitas vezes não estará a nosso alcance evitar tais perseguições injustas e até violentas. Mas sempre é possível agir como nossos irmãos ucranianos e rezar à Virgem das Três Mãos, para que proteja quem foi injustamente acusado e faça um dia resplandecer — até por meio de um milagre, se for necessário — a inocência caluniada e vilipendiada."
Fontes:
Catolicismo.
http://portalcot.com/reporter/nossa-senhora-das-tres-maos-2/
http://portalcot.com/reporter/wp-content/uploads/2010/01/tres-maos-nossa-senhora.jpg
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