A lepra tem um valor simbólico fortíssimo no Antigo Testamento, quando não se conhecia remédio algum para combater esta terrível doença. A fim de frear sua disseminação entre os que estavam sãos, o leproso era condenado a uma existência solitária, totalmente excluído da sociedade. Um verdadeiro inferno! O retrato do leproso feito pela Lei de Moisés acusa explicitamente sua exclusão:"Todo homem atingido pela lepra terá suas vestes rasgadas e a cabeça descoberta. Cobrirá a barba e clamará: Impuro! Impuro! Enquanto durar o seu mal, ele será impuro. É impuro; habitará só, e a sua habitação será fora do acampamento" (1ª Leitura – Lv 13, 45-46).
Porém, muito mais que um terrível mal que desfigura o homem, a lepra era considerada como um mal religioso que atinge mais no nível existencial. Ela era o símbolo do pecado, chegando mesmo a ter, muitas vezes, o caráter de castigo divino. É também por esta razão que o leproso era banido, rejeitado como um morto-vivo, fonte de impureza, quer dizer, de separação tanto em relação a Deus quanto aos homens.
Está claro que sua cura somente poderia ser atribuída a Deus (o único capaz de curá-lo - N.T.). O gesto de Jesus, que acaba de tocar o leproso no Evangelho e lhe dirige uma Palavra de vida, é altamente significativo quanto à Sua realidade de Messias e à Sua identidade divina. Através desta cura, Jesus mostra que é o Filho de Deus que veio tomar sobre Si não só os males físicos e morais de todos os homens, seu isolamento, o fato de serem postos à margem da sociedade, mas também o mal dos pecados por eles cometidos.
O Evangelho nos diz que "Jesus compadeceu-se dele" (Mc 1, 41a), literalmente "movido de compaixão" como o pai que acolhe o retorno do filho pródigo no Evangelho de São Lucas (Lc 15, 20b). Em Jesus, é o coração do Pai que se inclina para que todo homem cruze a distância que o pecado estabeleceu entre ele e Deus. "Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: 'Quero, fica purificado' " (Mc 1, 41b): em Jesus, a mão do Pai tocou a nossa humanidade impura marcada pelo pecado, para purificá-la e recriá-la.
E como Jesus recria? Tomando sobre Si o mal que afeta o homem. O Evangelho nos diz que Jesus, depois que o leproso transgrediu seu aviso para nada revelar, viu-se obrigado a evitar os lugares mais povoados. Em outras palavras, Jesus encontra os leprosos que viviam excluídos das cidades – à margem da sociedade. Jesus Se torna leproso no nosso lugar, Ele Se torna o Excluído que será crucificado fora da cidade, o Servidor que "tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado" (Is 53, 4), Aquele que toma sobre Si a lepra do Seu povo. Jesus nos salva tomando sobre Si o mal que nos separava do nosso Pai do Céu para, em troca, nos comunicar Sua vida, nos reconciliar com Ele e, assim, nos reintroduzir no mundo dos vivos: "Eu quero, sê curado" (Mc 1, 41b).
O que fazemos da lepra do nosso pecado, que nos isola de Deus e dos nossos irmãos e irmãs? Ousamos expô-la a Jesus, gritando-Lhe nosso desejo de sermos curados: "Se queres, podes limpar-me" (Mc 1, 40b)? Nós, que não conseguimos enxergar por nossa própria conta um modo de sermos libertados da nossa lepra, cremos que Jesus pode curar-nos? Será que cremos que,
Jesus continua, HOJE, a estender a mão e a curar os filhos amados de Seu Pai, em primeiríssimo lugar através dos Sacramentos. Uma fé iluminada deve nos conduzir a experimentar cada Sacramento como um contato vital com o Senhor, transformador e santificador, da mesma forma como aconteceu com aquele leproso do Evangelho. Estarmos bem conscientes disto quando nos aproximamos da Comunhão Eucarística ou do Sacramento da Reconciliação (Confissão), permite-nos, sem dúvida, colher muito mais frutos espirituais.
Mas Jesus quer, também, prolongar Seu gesto de misericórdia e de renovação da criação através de cada um de nós, beneficiários da Sua Misericórdia. Assim sendo, Deus nos convida a sermos Suas mãos e Sua voz junto a todos os excluídos dos nossos tempos, junto a todos os que sofrem dos males físicos, morais ou espirituais. Foi o que compreendeu o Apóstolo Paulo e é o que ele nos convida a viver, na 2ª Leitura deste domingo, quando nos diz: "Fazei como eu, que procuro agradar a todos, em tudo, não buscando o que é vantajoso para mim mesmo, mas o que é vantajoso para todos, a fim de que sejam salvos. Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo" (ICo 10,33-11,1).
" 'Eu quero, sê curado': possa a Tua Palavra ecoar hoje em nossos ouvidos. Sim, é por livre e espontânea vontade que Tu vens nos curar, pois aí está o Teu desejo mais profundo: libertar-nos das nossas mortes ao ponto de tocá-las, atravessá-las, tomá-las sobre Ti para nos comunicar a Tua vida, reintroduzindo-nos no mundo dos vivos. Agradecidos, queremos acolher Tua condescendência, e nos colocamos como canais da Tua Misericórdia junto aos nossos irmãos e irmãs que sofrem física, moral e espiritualmente."
Homilia do Irmão Élie - Famille de Saint Joseph, França
Tradução e Adaptação:
Gisele Pimentel
gisele.pimentel@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário