Meu amado, minha amada:
Há quanto tempo, não é? Não, eu não me esqueci do querido rebanho que acompanha o site Rio de Deus. Acontece que eu estou num momento maravilhoso da minha caminhada, ou melhor, repleta de trabalhos e estudando como nunca! Às vezes não tenho tempo nem para pensar na vida!
Peço perdão pelo meu sumiço, mas também trago boas novas. O comércio, como bem sabemos, já anuncia a todo vapor o Natal. "Compre isso, compre aquilo e aquilo outro também!!!" Não é? A sociedade já vai "entrando no clima natalino", muitas vezes deixando que as crianças pensem que o Natal é o aniversário do Papai Noel. É sério! Eu já ouvi isso! E quando a gente tenta explicar o verdadeiro sentido da celebração, o que acontece? Geralmente as pessoas torcem o nariz, saem de perto, dizem que estão ocupadas demais para ouvir "essas estórias" (estória no sentido de fábula mesmo).
E nós? Como nós ficamos? O que nós, que cremos (ou afirmamos crer) em Cristo, podemos fazer para reverter esta situação? Muitos dizem "Ah, mas falar é fácil, isso tudo é teoria; na prática, ninguém faz o que fala". Será que é tão difícil assim pôr em prática essa "teoria"? Ou não seria esta "teoria" o resultado da vivência concreta no amor de Deus por nós?
O Natal está chegando, sim, e por isso eu quero apresentar-lhe Edith Stein. Filósofa, Doutora em Fenomenologia, judia, alemã. Viveu no início do Século XX. Um dia, Doutora Edith teve um encontro, na prática, que mudou toda a sua existência. Converteu-se à religião católica, abraçou a vocação carmelita e morreu na câmara de gás do campo de concentração de Auschwitz, em 1942.
Convido você a entrar agora na sala de aula da Doutora Edith, ou melhor, Santa Teresa Benedita da Cruz, pois ela preparou uma aula a respeito do nascimento do nosso Senhor Jesus Cristo. Venha, guardei um lugar especialmente para você!
1. ENCARNAÇÃO E HUMANIDADE
Quando os dias ficam cada vez mais curtos quando caem os primeiros flocos de neve (normal, no inverno alemão), então surgem suavemente os primeiros pensamentos natalinos. Destas simples palavras emana um encanto ao qual é difícil um coração ficar indiferente. Mesmo os que têm uma fé diferente, ou os infiéis, para os quais a antiga história da criança de Belém nada significa, preparam-se para a festa e pensam em como acender um raio de alegria em toda parte. É como uma correnteza quente de amor perpassando toda a terra, meses e semanas antes. Uma festa de amor e de alegria. Esta é a estrela para a qual todos se dirigem nos primeiros meses de inverno.
Para os cristãos e, principalmente, para os cristãos católicos, significa algo mais: a estrela os conduz para o presépio onde está a criança, que traz a paz para a terra. A arte cristã apresenta-nos isto através de inúmeros quadros formosos; cantos antigos nos falam sobre isso, fazendo ecoar todo o encanto da infância. Para quem vive a liturgia da Igreja, os sinos do "Rorate Caeli" [Orvalhai ó céus] e os cânticos do Advento despertam no coração uma santa saudade; para quem está unido à fonte inesgotável da santa liturgia, o grande profeta da Encarnação diariamente bate à porta com suas poderosas palavras de advertências e promessas: "Céus, gotejai lá de cima, e que as nuvens chovam o justo! O Senhor já está perto! Vinde adoremo-Lo! Vem Senhor, não tardeis mais! Jerusalém, regozija, com grande alegria, pois o teu Salvador vem a ti".
De 17 a 24 de dezembro, as grandes Antífonas do "Ó" conclamam para o Magnificat (ó Sabedoria, ó Adonai, ó Raiz de Jessé, ó Chave de Davi, ó Sol Nascente, ó Rei dos Reis, ó Emanuel), de forma mais saudosa e enérgica: "Vinde, para nos libertar." E, sempre mais promissora, ecoa: "Veja, tudo se completou" (no último domingo do Advento); e, finalmente: "Hoje sabereis que o Senhor virá e amanhã contemplareis a sua glória".
Sim, quando à noite as luzes clareiam as árvores enfeitadas e os presentes são trocados, o desejo incompleto aponta para um outro clarão de luz. Os sinos tocam para a missa do galo, e se renova nos altares, enfeitados de luzes e de flores, o milagre da noite santa: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós". Agora sim, chegou o momento da feliz redenção.
Meu amado, minha amada:
Dando continuidade à aula que Santa Teresa Benedita da Cruz nos dá a respeito do Natal, aqui está uma linda reflexão a respeito da importância da escolha que fazemos quando acolhemos (ou não) o Cristo que se fez Homem para nos retirar das trevas.
Lendo este texto, eu paro e penso em todos os momentos em que tenho agido como Santo Estevão, São João ou os reis magos, mas também naqueles em que ajo como os doutores da lei. Concluo que preciso procurar urgentemente um sacerdote e fazer uma boa confissão...
"A fuga para o Egito", Simone Cantarini, 1636
Óleo sobre tela - Museu do Louvre - Paris – França
2. O SEGUIMENTO DO FILHO DE DEUS FEITO HOMEM
Cada um de nós talvez já tenha experimentado tal felicidade natalina. Mas, até aqui, o céu e a terra não se uniram. Também hoje a estrela de Belém é uma estrela na noite escura. Já no segundo dia, a Igreja tira as vestes festivas e se reveste com a cor do sangue e, no quarto dia, de cores enlutadas.
Estêvão, o protomártir, aquele que primeiro seguiu o Senhor para a morte, e os santos inocentes, as criancinhas de Belém de Judá, mortas cruelmente por mãos de algozes, estão ao redor da Criança no presépio. O que isto quer dizer? Onde está o júbilo das potências celestes? Onde está a tranqüila bem-aventurança da noite santa? Onde está a paz na terra? "Paz na terra aos homens de boa vontade".
Mas nem todos têm boa vontade. Por isso, o Filho do Pai Eterno nasceu da glória celeste, pois o mistério do mal encobriu a terra com a escuridão. Trevas cobriram a terra e Ele veio como luz que iluminou as trevas, mas as trevas não O conheceram. Àqueles que O acolheram, Ele trouxe a luz e a paz; a paz com o Pai do céu, a paz com todos que, com Ele, são filhos da luz e filhos do Pai do céu, e a profunda paz do coração; mas não a paz com os filhos das trevas. Para eles, o Príncipe da paz não traz a paz, mas sim a espada. Para eles o Senhor é a pedra de tropeço, contra quem atacam e na qual serão destruídos. Esta é uma grande e séria verdade, que não podemos encobrir por causa do encanto poético da Criança no presépio. O mistério da encarnação e o mistério do mal caminham juntos. Contra a luz que vem do alto, contrasta a noite do pecado, escura e tenebrosa.
A criança no presépio estende as mãos, e o seu sorriso parece dizer o que mais tarde pronunciaram os lábios do Filho do Homem: "Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo". E aqueles que seguem o seu chamado, os pobres pastores, aos quais nos campos de Belém o resplendor do céu e a voz do anjo anunciaram a Boa Nova, responderam confiantes: "Vamos a Belém", e puseram-se a caminho.
Os reis, vindos do oriente longínquo, seguiram, na mesma fé simples, a estrela milagrosa para eles. Através das mãos da criança, correu o orvalho da graça, e "eles exultaram com grande alegria". Estas mãos dão e, ao mesmo tempo, cobram: vós, sábios, despojai-vos de vossa sabedoria e tornai-vos simples como crianças; vós, reis, entregai vossas coroas e vossos tesouros e inclinai-vos, humildemente, diante do Rei dos reis; aceitai, sem hesitação, os fardos, dores e pesares exigidos pelo vosso serviço; de vós crianças, que não podeis ainda oferecer nada gratuitamente, tiram a vossa tenra vida, antes dela ter propriamente começado: ela não pode servir melhor do que ser sacrificada ao Senhor da vida.
"Siga-me" – dessa maneira se expressaram as mãos do menino, como mais tarde repetirá com os lábios o Mestre. Assim foi dito ao discípulo a quem o Senhor amava. E São João, o jovem com o coração puro de criança, seguia sem perguntas: Para onde? E para quê? Ele deixou a barca do pai e seguiu o Senhor em todos os caminhos até ao Gólgota.
"Siga-me" – também entendeu o jovem Estêvão. Ele seguiu o Senhor na luta contra os poderes das trevas, a cegueira da descrença obstinada; ele deu testemunho do Senhor com sua palavra e com seu sangue; ele O seguiu também em seu Espírito, no Espírito do Amor, que combate contra o pecado, mas que ama o pecador, e ainda na morte intercede diante de Deus pelos assassinos. São Personagens de luz, que rodeiam o presépio: os santos tenros inocentes, os simples e fiéis pastores, os reis humildes, Estêvão, o discípulo entusiasmado e João, o discípulo predileto. Todos eles seguiram o chamado do Senhor.
Em oposição a eles se encontram, na noite da dureza e cegueira incompreensíveis, os doutores da lei, que podem dar informações sobre o tempo e o lugar onde devia nascer o Salvador do mundo, mas não deduzem daí: "Vamos a Belém"; o rei Herodes pretende matar o Senhor da vida.
Diante da criança no presépio, os espíritos se dividem. Ele é o rei dos reis e o Senhor da vida e da morte. Ele fala o seu "Siga-me", e quem não for a seu favor, é contra Ele. Ele o diz também para nós, e nos coloca diante da decisão entre a luz e as trevas.
Meu amado, minha amada:
Hoje, na terceira parte da aula de Santa Teresa Benedita da Cruz (Doutora Edith Stein, filósofa), vemos a importância da encarnação de Jesus Cristo, nosso Deus para que tivéssemos acesso direto ao Pai. Isto só poderia se dar através de Seu Corpo Místico, que Ele entrega por amor a nós a cada consagração Eucarística. E que Ele nos oferece como Alimento espiritual e físico, para que, pela fé, possamos continuar dia-a-dia descobrindo a riqueza de fazermos parte da vida desse Deus maravilhoso. E aí vem a pergunta: até que ponto Ele também faz parte da nossa vida?
3. O CORPO MÍSTICO DE CRISTO
3.1 - SER UM COM DEUS
Para onde o Menino-Deus nos conduzirá nesta terra, isto não sabemos e não deveríamos perguntar antes do tempo. Só sabemos que para aqueles que amam o Senhor, todas as coisas servem para o bem. Os caminhos pelos quais o Senhor nos conduz, levam-nos para além desta terra. Ó troca maravilhosa! O criador do gênero humano encarnando-se, concede-nos a sua divindade. Por causa desta obra maravilhosa o Redentor veio ao mundo. Deus se tornou Filho do homem, para que os homens se tornassem filhos de Deus. Um de nós rompeu o laço da filiação divina, e um de nós devia reatar o laço, pagando pelo pecado. Nenhum da antiga e enferma raça podia fazê-lo. Devia ser um rebento novo, sadio e nobre.
Tornou-se um de nós e, mais do que isto: unido conosco. O maravilhoso no gênero humano é que todos somos um. Se fosse diferente, estaríamos lado a lado, como indivíduos autônomos e separados, e a queda de um não poderia ter se tornado a queda de todos. Podia ter sido pago e atribuído a nós o preço da expiação, mas não teria passado a sua justiça para os pecadores, e não teria sido possível nenhuma justificação.
Mas Ele veio, para tornar-se conosco um corpo místico. Ele, nossa cabeça, nós, os seus membros. Ponhamos nossas mãos nas mãos do Menino-Deus, pronunciando o nosso "Sim" ao seu "Siga-me". Então, nos tornamos Seus, e o caminho está livre, para que a sua vida divina possa passar para a nossa. Isto é o começo da vida eterna em nós. Não é ainda a visão beatífica de Deus na luz da glória, é ainda escuridão da fé, mas não é mais deste mundo, já é estar no Reino de Deus. Quando a bem-aventurada Virgem pronunciou o seu "Fiat", aí começou o Reino de Deus na terra e ela se tornou a sua primeira serva. E todos, que antes e depois do nascimento da criança, por palavras e obras, se declararam a seu favor: São José, Santa Isabel com seu filho e todos os que estavam ao redor do presépio, entraram no Reino de Deus.
Tornou-se diferente do que se pensou, conforme os salmos e profetas o reinado do divino rei. Os romanos continuaram os dominadores da terra, os sumo sacerdotes e os doutores da lei continuaram a subjugar o povo pobre. De forma invisível, cada um, que pertencia ao Senhor, trazia o Reino de Deus em si. O seu fardo terreno não lhe foi tirado, e sim outros fardos acrescentados; mas, o que ele trazia dentro de si, era uma força animadora, fazendo o fardo suave e a carga leve. Assim acontece ainda hoje com os filhos de Deus. A vida divina, acesa em sua alma, é a luz que veio nas trevas, o milagre da noite santa. Quem traz esta luz dentro de si, compreende quando se fala dela. Para os outros, porém, tudo o que se pode dizer a respeito, é um balbuciar incompreensível. Todo o evangelho de São João é um canto à luz eterna, que é amor e vida. Deus está em nós e nós nele, esta é a nossa parte no reino de Deus, para a qual a Encarnação colocou o alicerce.
3.2 - SER UM EM DEUS
Ser um com Deus: este é o primeiro passo. Mas, o segundo é a conseqüência do primeiro. Cristo sendo a cabeça e nós membros do corpo místico, estamos unidos elo a elo, todos somos um em Deus, uma única vida divina. Se Deus é Amor e está em nós, então não pode ser diferente o nosso amor para com os irmãos. Por isto o amor humano é a medida do nosso amor a Deus. Mas, é algo mais do que o simples amor humano. O amor natural se dirige a um outro, ligado pelos laços do sangue ou por afinidades de caráter ou por interesses comuns. Os outros são "estranhos", que "não nos importam", talvez até por seu jeito antipático, de forma que mantemos a devida distância.
Para o cristão não existe "gente estranha". Próximo é aquele que encontramos em nosso caminho e que mais necessita de nós; indiferentemente, se é parente ou não, se a gente gosta dele ou não, se ele é "moralmente digno" da nossa ajuda ou não. O amor de Cristo não tem limites, ele nunca termina, ele não recua diante da feiúra ou sujeira. Ele velo por causa dos pecadores e não por causa dos justos. E se o amor de Cristo mora em nós, então, façamos como Ele, indo ao encontro das ovelhas perdidas. O amor natural visa a ter a pessoa amada para si, possuindo-a de forma mais exclusiva.
Cristo veio para devolver ao Pai a humanidade perdida; e quem ama com seu amor, este quer os homens para Deus e não para si. Este é, ao mesmo tempo, o caminho mais seguro para possuí-las para sempre; pois, se amamos uma pessoa em Deus, então somos com ela um em Deus, enquanto que o vício da conquista muitas vezes mais cedo ou mais tarde sempre resulta em perda. Há um princípio válido para todas as almas e para os bens exteriores: quem, ambiciosamente, se ocupa em ganhar e apropriar, perde; porém, aquele que tudo oferece a Deus, ganha para sempre.
3.3 - SEJA FEITA A TUA VONTADE
Com isto estamos tocando no terceiro sinal da filiação divina: Ser um com Deus, foi o primeiro. Que todos sejam um em Deus, foi o segundo. O terceiro: "Nisto reconheço que vós me amais, se observardes os meus mandamentos". Ser filho de Deus significa: andar apoiado na mão de Deus, na vontade de Deus; não fazer a vontade própria, colocar todo cuidado e toda a esperança nas mãos de Deus, não se preocupar consigo e com seu futuro. Nisto consiste a liberdade e a alegria dos filhos de Deus. Tão poucos as possuem, mesmo entre os realmente piedosos, mesmo entre os heroicamente dispostos ao sacrifício. Sempre andam encurvados sob o peso dos cuidados e obrigações.
Todos conhecem a parábola dos pássaros do céu e dos lírios do campo. Mas quando encontram uma pessoa que não tem herança, nem pensão e nem seguro e, mesmo assim, vive tranqüilo quanto ao seu futuro, aí meneiam a cabeça como se fosse algo incomum. Contudo, quem esperar do Pai do céu, que cuide a toda hora de seu dinheiro e da condição de vida que ele gostaria de ter, por certo, vai se enganar. A confiança em Deus vai se firmar inabalavelmente quando incluir a disposição de aceitar tudo das mãos do Pai. Pois somente Ele sabe o que é bom para nós. E, se a necessidade e a privação forem mais convenientes do que uma renda folgada e segura, ou insucesso e humilhação, melhor do que honra e reputação, então se deve estar preparado para isso. Se assim fizermos, podemos viver despreocupados com o futuro e com o presente. O "seja feita a vossa vontade", em toda a sua amplitude, deve ser o fio condutor da vida cristã. Ele deve nortear o correr do dia, da manhã até a noite, o correr do ano e de toda a vida. Será a única preocupação do cristão. Todos os outros cuidados, o Senhor assume.
Mas esta única preocupação pertence a nós, enquanto vivermos. Objetivamente, não somos definitivamente firmes para permanecermos sempre nos caminhos de Deus. Assim como os primeiros pais perderam a filiação divina pelo distanciamento de Deus, assim cada um de nós está sempre entre o nada e a plenitude da vida divina. Mais cedo ou mais tarde isto se torna também uma experiência subjetiva. No começo da vida espiritual, quando começamos a nos entregar à direção de Deus, é que sentimos bem forte e firme a mão que nos conduz; de forma clara aparece para nós, o que devemos fazer ou deixar de fazer.
Mas isto não é sempre assim. Quem pertence a Cristo, deve viver a vida de Cristo. Deve-se amadurecer até à idade adulta de Cristo, ele deve iniciar a via-sacra para o Getsêmani e o Gólgota. E todos os sofrimentos que vem de fora, são nada comparados com a noite escura da alma, quando a luz divina cessa de clarear e a voz do Senhor se cala. Deus está presente, porém, escondido e silencioso. Por que acontece isto? São os mistérios de Deus, dos quais falamos, ele não se deixa penetrar completamente. Só podemos vislumbrar algumas facetas desse mistério e, por isso, Deus se fez homem, para voltar e fazer-nos participar da sua vida. Esse é o começo e a meta final.
Mas, no meio se encontra ainda outra coisa. Cristo é Deus e homem e, quem quer partilhar a sua vida, deve fazer parte de sua vida divina e humana. A natureza humana que Ele aceitou, deu-lhe a possibilidade de sofrer e morrer; a natureza divina que Ele possui desde toda a eternidade, deu à sua paixão e morte um valor infinito e uma força redentora. A paixão e morte de Cristo continuam no seu corpo místico e em todos os seus membros. Todo homem tem que sofrer e morrer. Porém, se ele for membro vivo no corpo de Cristo, então, o seu sofrimento e sua morte adquirem pela divindade de seu corpo, força salvadora. Esta é a causa objetiva por que todos os santos desejam sofrer. Não se trata de um prazer doentio de sofrer, Aos olhos da razão natural, isto pode parecer perversidade. À luz do mistério da redenção, contudo, isto se revela de maneira sublime. E assim a pessoa ligada a Cristo, mesmo na noite escura do distanciamento subjetivo de Deus e abandono, persistirá; talvez a divina providência permita o tormento, para libertar a pessoa objetivamente aprisionada. Por isto: "Seja feita a Vossa vontade", mesmo quando na noite mais escura.
Meu amado, minha amada:
Hoje, na quarta e última parte da aula de Santa Teresa Benedita da Cruz (Doutora Edith Stein, filósofa), vemos o trajeto de Jesus desde a manjedoura até a Cruz. Jesus, deitadinho em sua pequena manjedoura de madeira, já estava sendo preparado para, um dia, ser pregado ao madeiro da Cruz. Tanto uma quanto a outra nos revelam a importância do alimento na História da Salvação: o que é uma manjedoura? É o lugar onde se deposita o alimento para os animais. Sem opção, Nossa Senhora e São José tiveram que fazer de uma manjedoura o berço do Filho de Deus, Alimento Vivo que acabava de nascer. E o que é a Cruz? É a Árvore da Vida, é o Lenho onde Jesus se fez Alimento de uma forma definitiva para cada um de nós.
Jamais poderíamos nos alimentar do Pão da Vida sem os madeiros da manjedoura de Belém e da Cruz erguida no Gólgota. Que Deus Todo Poderoso nos ajude a jamais nos esquecermos disto.
Feliz Natal! Deus abençoe você e toda a sua família!
4. MEIOS SALVÍFICOS
Será que podemos falar alto "seja feita a Vossa vontade", quando não temos mais a certeza daquilo que a vontade de Deus exige de nós? Temos meios para permanecer no Seu caminho, quando se apaga a luz interior?
Existem tais meios, e tão fortes, que o erro, apesar das possibilidades, de fato se torna infinitamente improvável. Deus veio para nos salvar, se nos unirmos a Ele, se conformarmos a nossa vontade com a Sua. Ele conhece a nossa natureza. Ele conta com ela e, por isso, nos deu tudo o que nos pode ajudar para alcançarmos o fim. O Deus-Menino tornou-se nosso permanente mestre para nos dizer o que devemos fazer.
Para que a vida humana seja inundada da vida divina, não basta uma vez por ano ajoelhar-se diante do presépio e deixar-se cativar pelo encanto da Noite Santa. Para isto, devemos estar em comunicação diária com Deus, ouvir as palavras que Ele falou e que nos foram transmitidas, e segui-las. E, antes de tudo, rezar, como o Salvador mesmo ensinou e sempre de novo incutiu insistentemente. "Pedi e recebereis". Esta é a promessa segura de atendimento. E quem fala diariamente, de coração, "ó Senhor, seja feita a tua vontade", pode confiar que não desrespeita a vontade divina, onde subjetivamente não tem certeza. Além disso, Cristo não nos deixou órfãos. Ele mandou o seu Espírito que nos ensina toda a verdade; Ele fundou a sua Igreja, que é conduzida pelo seu Espírito, e estabeleceu nela os seus representantes, pela boca dos quais o seu Espírito fala para nós com palavras humanas. Nela uniu os fiéis em comunidade e deseja que um ajude o outro. Assim, não estamos sós, e onde fracassa a confiança em si mesmo e a própria oração, aí ajuda a força da obediência e a força da intercessão.
"E o Verbo se fez carne". Isto se tornou realidade no estábulo de Belém. Mas cumpriu-se ainda de outra maneira. "Quem comer a minha carne e beber o meu sangue, este terá a vida eterna". O Salvador, que sabe que somos e permanecemos humanos, tendo que lutar dia após dia, com fraquezas, vem em auxílio da nossa humanidade de maneira verdadeiramente divina. Assim como o corpo terrestre precisa do pão cotidiano, assim também a vida divina em nós precisa ser alimentada constantemente. "Este é o pão vivo que desceu do céu". Quem come deste pão todos os dias, neste se realizará, diariamente, o mistério do Natal, a Encarnação do Verbo. E este, certamente, é o caminho mais seguro, para se tornar "um com Deus" e de penetrar dia a dia de maneira mais firme e mais profunda no Corpo Místico de Cristo.
Eu sei que para muitos pode parecer um desejo por demais radical. Para a maioria, isto significa começar de novo, uma reorganização de toda a vida interna e externa. Mas deve ser assim! Na nossa vida, devemos criar espaço para o Cristo Eucarístico, para que Ele possa transformar a nossa vida na Sua vida: será que é exigir demais? A gente tem tempo para tantas coisas fúteis, tantas coisas inúteis: ler livros, revistas, jornais, freqüentar restaurantes, conversar na rua 15 ou 30 minutos, tudo isto são "dispersões", onde esbanjamos tempo e força. Não se poderá reservar uma hora pela manhã, para se concentrar, e ganhar força, para enfrentar o resto do dia? Mas, na verdade, é necessário mais que uma hora. Devemos viver de tal maneira que uma hora se suceda à outra, e estas, prepararem as que vierem. Assim, não será mais possível "deixar-se levar", mesmo temporariamente, pelo ara do dia.
Com quem se vive diariamente, não se pode desconsiderar o seu julgamento. Mesmo sem dizer palavras, percebemos como os outros nos consideram. Tentamos nos adaptar conforme o ambiente e, se não conseguimos, a convivência se torna um tormento. Assim também acontece na comunicação diária com o Senhor. Tornamo-nos cada vez mais sensíveis àquilo que Lhe agrada ou desagrada. Se antes, estávamos mais ou menos contentes com nos mesmos, agora isto se torna diferente. E descobriremos em nós muita coisa que precisa ser melhorada e outras que as vezes, são quase impossíveis de serem mudadas. Assim nos tornaremos pequenos, humildes, pacientes e condescendentes com o "cisco no olho de nosso próximo", pois a "trave" no nosso olho nos incomoda.
Finalmente, aprenderemos a aceitar-nos tal qual somos à luz da presença divina, e a nos entregar à divina misericórdia, que poderá vencer tudo aquilo que está além de nossas forças. Da auto-suficiência de um "bom católico", que "cumpre com seus deveres", que "lê um bom jornal" e "vota certo" etc. – mas que, no entanto, pratica o que ele bem quer – há um longo caminho até chegar a viver na mão de Deus e da mão de Deus, na simplicidade da criança e na humildade do cobrador de impostos. Mas quem uma vez andou, não voltará atrás.
Assim, filiação divina quer dizer: tornar-se pequeno e, ao mesmo tempo, tornar-se grande. Viver da Eucaristia quer dizer: sair, espontaneamente da estreiteza da própria vida e penetrar na amplitude da vida de Cristo. Quem visita o Senhor na Sua casa, não quer se ocupar sempre e somente com seus problemas. Vai começar a interessar-se pelas coisas do Senhor. A participação no sacrifício diário nos leva livremente à totalidade litúrgica. As orações e os ritos do culto divino nos apresentam, no decorrer do ano litúrgico, a história da salvação diante da nossa alma, deixando penetrar-nos sempre mais profundamente no seu sentido. E a ação sacrificial nos impregna sempre de novo com o mistério central de nossa fé, o ponto angular da história universal: o mistério da Encarnação e Redenção. Quem poderia com coração aberto participar do Santo Sacrifício sem ser envolvido por este espírito de sacrifício, sem ser tomado pelo desejo, dele mesmo e com sua pequena vida pessoal, se integrar na grande obra do Salvador?
Os mistérios do cristianismo são um todo indiviso. Quando nos aprofundarmos num deles, seremos conduzidos para todos os outros. Assim, o caminho de Belém conduz, seguramente, para o Gólgota; do Presépio para a Cruz.
Quando a Bem-Aventurada Virgem levou a criança para o templo, foi-lhe profetizado que uma espada atravessaria a sua alma, e que esta criança seria a causa da queda e do reerguimento de muitos; um sinal de contradição. É o anúncio da paixão, da luta entre a luz e a treva, que já se manifesta no presépio. Em alguns anos a apresentação do Senhor coincide com a septuagésima, a celebração da encarnação e a preparação para a paixão. Na noite do pecado brilha a estrela de Belém. No esplendor da luz, que sai do presépio, cal a sombra da cruz. A luz se apaga nas trevas da Sexta-Feira Santa, mas se levanta com mais fulgor, como sol da graça, na manhã da ressurreição.
O caminho do Filho de Deus encarnado precisou passar pela Paixão da morte na Cruz para chegar à glória da Ressurreição. Chegar a esta mesma glória da Ressurreição com o Filho do Homem, pela paixão e morte, é o caminho de cada um de nós, de toda a humanidade.
Gisele Pimentel
gisele.pimentel@gmail.com
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