quinta-feira, 31 de julho de 2008

Homilia do 17º Domingo do Tempo Comum - 27/07/08


Evangelho: Mateus 13, 44-52

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus - Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 44"O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo. 45O Reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. 46Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui e a compra. 47O Reino dos céus é semelhante ainda a uma rede que, jogada ao mar, recolhe peixes de toda espécie. 48Quando está repleta, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e separam nos cestos o que é bom e jogam fora o que não presta. 49Assim será no fim do mundo: os anjos virão separar os maus do meio dos justos 50e os arrojarão na fornalha, onde haverá choro e ranger de dentes. 51Compreendestes tudo isto?" "Sim, Senhor", responderam eles. 52"Por isso, todo escriba instruído nas coisas do Reino dos céus é comparado a um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas." - Palavra da salvação. Glória a Vós, Senhor!

Meu amado, minha amada:

Esta reflexão do Padre Joseph-Marie, pertencente à Família de São José, uma comunidade francesa, nos fala do Reino dos Céus de uma forma bastante criativa. Ali Babá certamente não conseguiria encontrar um tesouro tão precisoso quanto o que veremos a seguir. Homilia "Um tesouro": eis aí uma palavra mágica que chama espontaneamente nossa atenção! Os interlocutores de Jesus não eram exceção: um bom número de contos orientais é estruturado em torno da procura de um tesouro fabuloso. Lembremo-nos da caverna de Ali Babá que nos fez um dia sonhar! Não são necessários longos discursos: bastam algumas palavras para atiçar nosso imaginário. Imaginamos espontaneamente um cofre cheio de pedras preciosas, cuja venda nos permitiria viver dias felizes, livres de todas as preocupações materiais. Mas é este o mesmo sabor que o trecho guarda verdadeiramente para nós quando identificamos este famoso tesouro com o "Reino dos Céus"? Jesus não nos pede, numa outra passagem, para escolhermos entre Deus e o dinheiro? A caverna de Ali Babá não é denunciada no Evangelho como o antro do diabo? Então, este Deus que não quer que enriqueçamos, não tomou no nosso imaginário a aparência de um espantalho interditando nosso acesso à felicidade?

Talvez descubramos, escutando nossas reações interiores face a esta parábola, que trazemos em nós a imagem de um Deus invejoso de nosso bem-estar. Claro, nós obedecemos a Deus pois Ele é mais poderoso que Ali Babá, mas nosso coração não o é, e nós cobiçamos a caverna do tesouro... Também Jesus se contenta em nos dar uma idéia da cena: ao longo de seu trabalho, um agricultor descobre um "tesouro escondido". Imagina-se facilmente sua alegria e inquietude; mas nosso homem não "perde a cabeça". Legalmente ele tem direito à metade do espólio, a outra metade retornando ao proprietário do campo. Para evitar ter que partilhar sua descoberta, nosso herói prefere vender todos os seus bens e adquirir o campo, a fim de possuir o tesouro por inteiro.

É bom que tomemos consciência destas ambigüidades, a fim de deixar o Espírito Santo nos purificar de nossas concepções idólatras para nos lançarmos na nossa busca ao verdadeiro Deus. O "Reino dos Céus" é mesmo um tesouro infinitamente mais precioso que todas "as pérolas de grande valor" do mundo, pois ele nos dá acesso ao mistério de Deus, que é a fonte de todo bem. Mas, para adquirir este tesouro inefável, devemos consentir em renunciar ao que nós cremos saber sobre o mistério divino.

Somente aquele que "vende tudo o que possui", quer dizer, que se despoja de todas as suas pré-compreensões sobre Deus, pode se dispor a acolher a herança prometida àqueles que, pela fé na Palavra do Filho, se abrem à Revelação do Pai. Observemos bem que o nosso herói não compra o tesouro, por uma razão bem evidente: por definição, ele não tem preço. Mas ele adquire o campo no qual o tesouro está enterrado. Não seríamos nós este agricultor que trabalha o barro da sua vida como um operário, enquanto ele ainda não descobriu que cabe somente a ele tornar-se filho e, conseqüentemente, proprietário?

Para realizar esta tomada de consciência, basta que renunciemos à vontade de obter a salvação por nossos próprios esforços, e que escutemos à Palavra que o Pai nos dirige através de seu Filho único, Jesus Cristo. Descobriremos então que o dom de Deus nos precede, pois "Ele nos escolheu no Cristo desde antes da Criação do mundo, para que sejamos, no amor, santos e irrepreensíveis diante de seus olhos" (Ef 1, 4). E "a esses ele predestinou a serem conformes a imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito numa multidão de irmãos" (Rm 8, 29b - 2ª Leitura), a fim de que eles tomem parte na sua glória (Ibid.).

A escolha a ser feita não é entre as riquezas da caverna de Ali Babá e a miséria de uma religiosidade sem alma, mas sim entre os bens efêmeros deste mundo que passa, e a participação na glória de Deus, no Reino que não passará jamais. Aquele que descobriu o verdadeiro desafio desta vida vai todo contente vender tudo o que possui para adquirir o campo precioso dele extrair seu tesouro espiritual. Juntando-se ao Salmista, ele pode então cantar: "Minha partilha, Senhor, eu o declaro, é guardar as vossas palavras. Mais vale para mim a lei de vossa boca que montes de ouro e prata!"(Sl 118, 57.72). Tal é a verdadeira sabedoria, aquela que não se dobra às coisas que nos cercam, mas que discerne a presença escondida d'Aquele que nos dá sinais (de sua presença) através delas.

Descobrimos, assim, que a liberdade não consiste em usar - diga-se abusar - deste mundo segundo o nosso bel prazer, mas sim em poder nos servir dos dons de Deus para nos tornarmos seus colaboradores, e governar com Ele a Criação que nos foi confiada. É o que o Espírito Santo havia feito o jovem Salomão compreender, ao inspirá-lo a pedir "não longos dias de vida, nem a riqueza, nem a morte de seus inimigos, mas o discernimento, a arte de ser atento e de governar" (1ª Leitura) sua vida segundo a vontade de Deus.

"Compreendestes tudo isso?" pergunta Jesus, lançando um olhar insistente ao redor sobre aqueles que O cercavam. Diante da resposta afirmativa deles, o Senhor conclui com uma palavra um tanto enigmática. Qual é, pois, este escriba tornado discípulo do Reino, senão aquele que "compreendeu" o ensinamento das parábolas e vendeu tudo para seguir Jesus, a fim de entrar com Ele no Reino? De servidor de um patrimônio terrestre que não lhe pertencia, ele tornou-se como "um dono da casa" que dispõe do tesouro que ela contém. Pois os bens deste mundo, que nós custamos tanto a juntar, nos serão retirados no momento da grande travessia, que porá às claras a vaidade da nossa sede de possuir, enquanto que, agora mesmo, nos é ofertado o acesso a um Reino tão vasto que não teremos eternidade suficiente para conhecê-lo! Realmente: que poderíamos imaginar de mais precioso que a fé que nos faz herdeiros do Deus vivo?

"Louvado sejas Tu, Pai, Tu que nos chamas dia após dia a nos deixarmos reconciliar Contigo por meio de Teu Filho em quem somos justificados, a fim de fazer com que tenhamos parte na Tua glória. Mas este mistério de graça só é acessível na fé, no acolhimento incondicional à Revelação do Teu desejo de amor. Faça com que nos apresentemos diante da Tua Palavra como uma página em branco na qual o Espírito Santo escreve em letras de fogo o mistério da nossa filiação divina. Que através das sombras e das luzes nós possamos crescer rumo ao verdadeiro conhecimento, aquele que nos identifica com Jesus Cristo Nosso Senhor, em quem somos Teus filhos."

Padre Joseph-Marie, Famille de Saint Joseph, França


Tradução:

Gisele Pimentel

gisele.pimentel@gmail.com


Fonte:

http://www.homelies.fr/

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