quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Amai os vossos inimigos

A lei do Talião fora um salto qualitativo diante da simples vingança desmesurada: ela indicava que não se deveria retaliar além da ofensa recebida; neste sentido, buscava uma convivência baseada na justiça. O que seria de alguém indefeso, cujo inimigo poderoso resolvesse retribuir uma palavra que lhe desagradara com a força das armas?
Jesus, no entanto, vem superar a justiça dos homens. Para Ele não basta retribuir na mesma medida aquilo que nos fizeram, aquilo que o outro fez com você, faça a ele; mas sim aquilo que Deus fez com você, faça ao outro. A referência agora, para o cristão, não será mais o mal que nos fizeram, mas o bem que Deus nos faz.
Sinceramente, seria possível colocar isso em prática? Oferecer a outra face a quem nos esbofeteou? Humanamente falando, não! Então, Jesus nos pediria o impossível? Jesus, que na Cruz já nos deu o Seu exemplo, perdoando Seus inimigos e pedindo por eles, não pede apenas, mas nos dá a graça, a força para realizá-lo com a efusão do Espírito Santo em Pentecostes e no nosso Batismo. Por mais difícil que possa ser perdoar, sabemos que o que importa não é aquilo que sentimos, mas o que do fundo do coração queremos. É a vontade, não o instinto que deve nos mover. Se queremos perdoar de coração, por mais difícil que seja para nós, já perdoamos.
Muitos há que, diante disso, nos perguntam o que seria da humanidade se realmente todos agissem desse modo; não seria o triunfo da injustiça? Certamente se todos vivessem esta disposição, não haveria por que dar a outra face, simplesmente porque não haveria quem esbofeteasse a face de ninguém. Se o mundo vivesse as Palavras de Jesus, não haveria injustiça, nem guerras. Quando um cristão procura viver os ensinamentos do Senhor, isso não significa que ele deverá abrir mão da justiça, sem a qual não há paz, mas sim da vingança feita com as próprias mãos, fruto estéril e venenoso de um coração sem Deus.
Toda vez em que se dá lugar à sede de vingança e não ao desejo de justiça, o homem mergulha naquilo que, em nossa natureza, temos de mais selvagem. Sabemos, por experiência, até onde pode ir uma sociedade que na prática vive a lei de Talião. Em conflitos como aqueles que caracterizam a convivência entre hebreus e palestinos, por exemplo, quanto sofrimento de ambas as partes... Que o Bom Deus nos ajude a construir, na justiça, um mundo onde realmente reine a verdadeira paz.

Fontes:
Folheto “A Missa”, 7º Domingo do Tempo Comum, 20/02/11.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Eu, porém, vos digo...

Continuando a leitura do Sermão da Montanha em que Cristo, à semelhança de Moisés, apresenta-se como o novo Legislador, é proclamada neste domingo uma série de mandamentos que têm como objetivo elevar à plenitude a Lei mosaica. Ao usar o que os teólogos chamam de passivo teológico (Ouvistes o que foi dito... Eu, porém, vos digo...), Jesus manifesta Sua divindade, pondo-se em pé de igualdade com Aquele que havia proclamado a Lei de Moisés, ou seja, o próprio Deus. Esta atitude, que atraiu sobre Si o ódio dos fariseus que viam nisso uma blasfêmia, demonstra que Ele veio dar pleno sentido à Lei, levando-a à perfeição.
Para o cristão, não basta apenas não matar; até mesmo uma palavra ofensiva deve ser banida da nossa convivência. Não basta não trair o cônjuge, pois mesmo o torpe desejo deve ser evitado no nosso coração. O cristão deve ser santo como o nosso Pai do Céu é Santo. Essa é a grande razão da moral cristã: participar da vida divina, mediante a graça santificante neste mundo e na eternidade.
Por isso mesmo, a liturgia nos aponta o que a fé cristã chama de Novíssimos: morte, juízo, inferno, paraíso, ou seja, as realidades últimas e definitivas que se darão uma só vez, mas cujos efeitos durarão pela eternidade. Num mundo secularizado perdemos o sentido de eternidade. Não são poucos os que sustentam que o simples pensar na eternidade nos faria perder o empenho por este mundo, levando-nos a uma atitude de alienação. Ledo engano! Quanto mais se tem em vista a eternidade, melhor se é neste mundo, procurando-se fazer bem feitas todas as coisas, tendo consciência de que haveremos de dar contas a Deus do que fizemos com a vida que Ele nos deu de presente neste mundo.
É isso o que Jesus nos indica com a parábola dos dois homens que caminham rumo ao tribunal. Eles são cada um de nós e o próprio Jesus que, mais que adversário (só no sentido de quem está adiante ex adverso), nesta vida é nosso amigo, nosso advogado junto ao Pai (cf. I Jo 2, 1). Somos convidados a nos reconciliar com Deus e os irmãos. Isso significa reconhecer as nossas faltas, buscar cada dia, à luz da Palavra de Deus, sermos dignos do nome que recebemos no dia de nosso Batismo: cristão, isto é, outro Cristo. Para isso, faz-se necessária uma vida sacramental em que levemos a sério o Sacramento da Penitência ou Confissão, como meio de uma profunda conversão para nossas vidas. Que a oração da missa de hoje nos inspire a isso: “Ó Deus, que prometestes permanecer nos corações sinceros e retos, dai-nos, por Vossa graça, viver de tal modo que possais habitar em nós. Amém.”  

Fontes:
Folheto “A Missa”, 6º Domingo do Tempo Comum, 13/02/11.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sal da Terra e Luz do Mundo

Celebramos hoje a luz da fé. Isaías fala da luz que brilha como a aurora, da vida que refulge como o sol do meio-dia. Na medida em que se vive a justiça, a caridade para com os pequeninos, em que se é solidário, renuncia-se às obras das trevas para fazer resplandecer em nós a luz de Deus: “Uma luz brilha nas trevas para o justo, permanece para sempre o bem que fez”, como cantamos no Salmo de hoje.
Em S. Paulo, é o humilde reconhecimento de sua fraqueza que o faz resplandecer no amor de Cristo. Depois da experiência negativa que tivera em Atenas com os homens da cultura de seu tempo, entendeu que deveria mudar o método de sua pregação, deixando que Cristo, e não a sabedoria humana, falasse por Ele, encontrando no testemunho de vida o mais brilhante meio de evangelizar. Às vezes, os fracassos humanos são mais úteis que os êxitos...
Também nós somos chamados a esse encontro com Jesus, que nos convida a ser sal da terra e luz do mundo. Diante de tantas opções que nos são oferecidas, corrupção, fraude, injustiça, imoralidades, infidelidades, competições desleais etc., o cristão é chamado a enfrentar e vencer as tentações e as armadilhas que encontra ao longo do caminho.
Certa vez, o Papa João Paulo II, dirigindo-se aos jovens, disse que eles deveriam ser capazes de iluminar o mundo com a luz do amor ao próximo. No tempo em que as luzes fluorescentes dos grandes centros urbanos nem sempre convidam à santidade, o cristão é chamado a irradiar, com a sua vida, a fé que professa com os seus lábios.

Fontes:
Folheto “A Missa”, 5º Domingo do Tempo Comum, 06/02/11.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Testemunhas do Evangelho

       Neste domingo, a Liturgia nos apresenta um dos textos mais belos da humanidade. Já se disse que as Bem-Aventuranças, que abrem o Sermão da Montanha, são a Constituição do Novo Israel, o povo de Deus, a Igreja.
Mateus, cujo Evangelho é escrito para os cristãos convertidos do judaísmo, apresenta Jesus como um novo Moisés, o legislador que, do alto do monte, transmite a nova lei que torna feliz quem dela faz seu projeto de vida. Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
Ser pobre em espírito é encontrar em Deus a grande riqueza e o sentido da vida, como aquele comerciante e profundo conhecedor que vende tudo o que tem ao encontrar a pérola mais preciosa que achara em seu caminho; ou como o homem que, tropeçando à beira de uma estrada, descobre num terreno alheio um tesouro escondido. Ele vai e vende tudo o que possui para comprar aquela propriedade que esconde uma riqueza incomensurável.
Ser bem-aventurado é reconhecer a Deus como a grande, única e definitiva riqueza, que o ladrão não rouba, nem a traça corrói, nem a inflação desvaloriza. É colocar Deus no lugar que sempre foi d’Ele, no centro de nossas vidas, no trono que Lhe é reservado: o coração do homem. É superar cada dificuldade, viver cada alegria, certos de que não estamos sozinhos. É viver a fartura sem orgulho ou soberba, e as dificuldades ou perseguições sem desespero ou revolta, sabendo que se Deus é por nós, ninguém será contra nós. Ou como diz São Paulo na leitura de hoje (I Cor 1, 26-31): “Quem se gloria, glorie-se no Senhor.”
Certa vez, Mahatma Gandhi, ao ouvir este Evangelho, disse que se os cristãos vivessem as Bem-Aventuranças por apenas um dia de suas vidas, o mundo se converteria. Que neste tempo em que se fala tanto da necessidade de uma nova evangelização, possamos recordar que somos chamados a anunciar o Evangelho que acabamos de ouvir.

Fontes:
Folheto “A Missa”, 4º Domingo do Tempo Comum, 30/01/11.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8f/Jesus-masih-islam.jpg